EVANDRO TEIXEIRA, A OBSESSÃO DO ARTISTA
“Fotografia: arma de amor, de justiça e conhecimento,
pelas sete partes do mundo, viajas, surpreendes, testemunhas
a tormentosa vida do homem e a esperança a brotar das cinzas”
Carlos Drummond de Andrade
Evandro Teixeira, Fotojornalista.
A trajetória de Evandro Teixeira daria para ocupar infindáveis laudas sobre este baiano cujo signo é a inquietude. Mesmo depois de uma longa jornada, sempre à procura de registrar a realidade por detrás das aparências, Evandro continua incansável à procura de mais uma imagem para acrescentar a milhares de fotografias definitivas que vão ficar para a história. Daí a dificuldade em traçar um pequeno perfil. Em uma tarde do mês de janeiro de 2018 ARFOC teve uma conversa com um dos maiores fotojornalistas de todos os tempos.
Arfoc: Evandro, conta um pouco de sua trajetória na Fotografia, como você começou, você já está acostumado com entrevistas e provavelmente já sabe o que nós vamos perguntar…
Evandro: (Risos). É uma história muito longa… Meu Deus! Veja bem, eu vim para o Rio de Janeiro em 1957, diretamente para os Diários Associados (Diário da Noite) e o chefe de fotografia naquela época era o Ângelo Regato. Eu vim para o Rio de Janeiro, pra estudar Belas Artes, mas não terminei, então fui para o Diário da Noite com uma carta de recomendação e aí me apresentaram o chefe de reportagem que me encaminhou ao Ângelo Regato, chefe da Fotografia. O Ângelo Regato realmente foi uma pessoa maravilhosa, devo muito a ele que logo me apresentou ao diretor de redação.
No jornal os fotógrafos trabalhavam para dois jornais, o Diário da Noite vespertino e O Jornal matutino, aí o cara disse “põe esse baiano aí pra ser o “santo casamenteiro”. O Diário da Noite tinha uma página dedicada a casamentos e o diretor geral disse “ô baiano, o Ângelo me pediu pra colocar você aí, mas eu queria dizer pro senhor o seguinte: pode ser rico, pobre não importa, só não quero preto”. Então respondi: Sim senhor, doutor!
No fim do mês, quando eu assumi o posto, eu saí procurando um cara lá… Tinha um casamento na Gávea, quando eu entro na igreja com a minha Rolleiflex, filme 120, 6×6, encontro um negão cabelo Black Power casando com uma alemã. Aí eu digo: Ah! Porra! Vai ser esse mesmo… Fiz a foto do cara e voltando para o jornal entreguei o filme para revelar, para o laboratorista, um português, o Villar, que era um senhor laboratorista, que disse: “Não tem problema, vai ficar branco”. Revelou o filme, fez a cópia e o cara ficou branco. Aí, quando mandaram a cópia eu mostrei pro Ângelo que mandou eu fazer texto legenda. Fiz o texto entreguei pro Ângelo que mandou entregar para a secretária do diretor de redação. Oito e meia da noite o cara liga pro Ângelo “vem aqui na minha sala”. O Ângelo depois contava: “eu não falei que não queria preto. Preto! Olha aí! Até você quer me enganar, olha o cabelo do filho da puta. Ah! Manda esse baiano embora que é burro. Não quero burro aqui não! O Ângelo tentou explicar: “o cara ainda está aprendendo, é estagiário”. – Não, é burro! Manda embora. Aí o Ângelo manda ir pra casa “vai pra casa que isso é fogo de palha, eu vou amansar. Volta no carnaval”. Chega o carnaval, aí ele disse: “vou te dar um dinheiro para você alugar um “smoking”,você vai fazer o baile do Municipal. Cuidado que o importante é a fantasia – Evandro de Castro Lima, Clóvis Bornay – a fantasia é muito mais importante que o baile”.
Quando eu fui fotografar o baile, uma hora da manhã, não consegui porque eu não acertei chegar à passarela do desfile das fantasias. No dia seguinte cheguei ao jornal com uma cara… O Ângelo “que cara é essa? Respondo quebrei a cara de novo. “Porra, baiano!Tu só faz merda… Vamos no O Cruzeiro pegar as fotos”. O Cruzeiro, era no outro prédio, pegou as fotos e disse: “ó, amanhã é dia de escola de samba” (era na Rio Branco) “se tu quebrar a cara, vai embora. Não quero nem te ver mais”. Aí eu acertei, né? Fiz fotos muito boas, aí começou a minha história no Rio de Janeiro. Fiquei no Diário da Noite, fui crescendo, fui aparecendo. Com a chegada dos russos no Brasil eu fiz um belo trabalho, e também no julgamento do assassinato de Aída Cury.
Fui ficando conhecido, aí o Jornal do Brasil me chamou. Na época ainda não era o Cabeça (Alberto Ferreira, editor de fotografia), era o mineiro… Dílson Martins. O Dílson me chamou e eu disse – mas não estou preparado ainda Dílson – e ele “Não, você é um puta fotógrafo! Vem prá cá”. Aí eu fui. Final de 62 pra 63, o Alberto Ferreira foi um dos maiores editores do Brasil, jamais teremos um editor igual a ele A história foi essa. Fui crescendo no Jornal do Brasil, fui me firmando, fui me tornando conhecido fiquei no JB até acabar a edição impressa.
O GOLPE MILITAR NO CHILE
Evandro: No golpe militar, no Chile, nós éramos mil jornalistas e eu fui o único que eu tenho o prazer e a tristeza ao mesmo tempo de ter descoberto uma fonte… onde estava o Neruda… que ele estava naquela casa de saúde e eu fui o único a chegar lá, entrar e fotografá-lo morto… e também a chegada na casa dele na “La Chascona”. Quer dizer, fui o único jornalista no mundo, que nós éramos mil jornalistas, fui o único a vê-lo e fotografá-lo morto, mais ninguém. Eu fui pelo JB pra cobrir o golpe militar no Chile (1973). Fiquei lá umas duas semanas, uma coisa dessas. Aí entrei no Estádio Nacional, fotografei os presos no Estádio Nacional, o porão do Estádio, aqueles que morreram todos. O magnífico filme do cineasta Costa Gravas mostra muito bem o porão do Estádio. (“Desaparecidos – Um Grande Mistério”, 1982).
O Neruda foi uma coisa que até agora… eu tive que voltar no Chile… Agora foi descoberto uma coisa que se sabia… que Neruda tinha sido morto na época com uma injeção letal… Mataram o Neruda! Mataram o Neruda e foi negado tudo. Agora com uma série de exames de laboratório do mundo inteiro foi descoberto. Eu tive que ir lá fazer um depoimento pra comprovar, falar o que eu tinha visto, como que eu tinha sido o único a entrar na casa de saúde e fotografar, ir a casa dele na “La Chascona”. Eu fui o único. Agora, ele morto na Casa de Saúde Santa Maria, sair no dia seguinte pra “La Chascona”, na casa dele, dormido lá e sair pro cemitério, fui eu o único. Aí no cemitério a imprensa já estava toda porque a notícia tinha se espalhado. Foi uma coisa impressionante, foi realmente um furo mundial.
DO OUTRO LADO DO MUNDO: A CHINA
Evandro: Deixa eu falar uma coisa… Eu tinha ido à China em 1995. Pelo Jornal do Brasil, acompanhando o presidente Fernando Henrique Cardoso, era uma China completamente diferente, um país atrasado… Hoje, eu cheguei lá e fiquei impressionado com a modernidade, a tecnologia… A fotografia então! Eu fui em 2016 três vezes e em 2017, agora em outubro, fui novamente fazer uma exposição em Macau, fiz três exposições na China. É um outro mundo! A China hoje tem os grandes fotógrafos do mundo. A China está dominando o mundo, a fotografia chinesa também.
NO RASTRO DE ANTÔNIO CONSELHEIRO: CANUDOS
Evandro: Canudos é um livro que me emociona muito e lá na China, por exemplo, em uma palestra, a coisa mais importante pra eles foi Canudos. . Eu tenho uma palestra sobre “A Fotografia no Contexto da História”, começo falando e mostrando fotografias sobre a Guerra do Vietnã, passo para o golpe militar no Brasil, golpe militar no Chile, mostro Pablo Neruda e finalizo com Canudos. Aí o auditório quer saber mais da guerra de Canudos que pra eles é mais importante, mais interessante.
Canudos foi a história da minha avó, ela era da região de Canudos e ela contava histórias de Antonio Conselheiro. Eu cresci escutando ela falando de Canudos, estudante eu li o livro Os Sertões, de Euclides da Cunha, jornalista eu pude realizar o sonho de conhecer e documentar Canudos, ficar lá quatro anos fazendo o livro de Canudos. Modéstia a parte é o maior sucesso, já esgotou, considero que é uma história importante para o Brasil.
Evandro Teixeira tem dez livros publicados, o último foi “Retrato do Tempo. 60 anos de Fotojornalismo”, todos esgotados